Em lance à mar
Quando cheguei de mar a mar, nunca imaginei que meu trabalho, e a vida que levei junto com ele, fosse recheada de tesouros dignas de estarem em Iliadas, Lusíadas ou Brazilias. A maior das glórias contratualmente obrigadas que a mim foram garantidas é a "responsabilidade da carga e possessões do Reino sob minha jurisdição"
Jurisdição essa que menos se resume a gritar com mouros cujas qualificações derivaram da clarividência do desembargador em tentar descobrir traços de Deus em um corpo de Alah pela decência de "sangue azul"
Contudo, chega de mim e desses mouriscos! Não custeio de forma efêmera o meu tempo e contos. Pareço turvo ao que estou prestes a dizer, mas creio que achei um individuo merecedor de meu respeito escrito, mesmo que sua aparência seja das mais questionáveis.
Muito difícil é encontrar viajantes do Saara sozinhos, suspeito eu de que os mercantes silenciosos utilizam de alguma bruxaria para sustentar toda a podridão carregada pelos vultos de loucura que sustentam a existência do deserto. Por isso, quando veio me uma figura ao horizonte dediquei-lhe toda atenção
Cornetas e trombetas permutavam em corais de cactos, de longe aparentava ser um ancião. Batuques arranhavam meus ossos. Cerrando os olhos virava um dos monstros de folclore negroide. Abrindo-os por inteiro me cegava a moldes de um imperador de todas as dunas.
Pelo menos assim que meus olhos disseram, cerrei até demais a vista e vi um peregrino mais decadente que meu avô a um pé de embarcar para Portugal. Os mares, fortes e barcos tem outras interpretações para aqueles que tem o desejo de escapar do sofrimento de falta de escolha.
Dormes como nobre para acordar degradado ao Brasil, e meu avô pareceu sempre imerso nesse sonho, mesmo que a terra que ele se absorveu fosse tudo mais do que o sangue azul fosse o dar. Mas, mesmo assim, a dor do degredo é de ter o espírito deslocado contra o seu favor, alimentado ainda mais pelo seu orgulho do antes que era tudo comparado ao agora vazio.
Bom, acho que não é necessário dizer que o enterro foi uma ironia que o fez dormir para sempre no pesadelo. Não teve defunto a admirar e chorar mas eu imaginei o rosto patético dele encoberto de glorias que satisfaziam a todos menos ele.
Esse mesmo rosto facultativo se transpôs ao homem desabar ao chão, gemendo murmúrios e loucuras. E, como fiz de meu avô até seu leito, pus com força o humano sobre objeto e deixei o deleitar em minha cama, dando-me contos a contar.